BRASÍLIA
- O Brasil pode preservar grandes áreas de floresta e margens de rio e,
ao mesmo tempo, desenvolver seu agronegócio. Essa é a avaliação do
cingalês Mohan Munasinghe, vice-presidente do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e covencedor do Prêmio Nobel da Paz em
2007 (com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore). Ele esteve ontem em
Brasília para uma conferência internacional de sustentabilidade. Ele
critica a visão radical, "preto ou branco", dos ruralistas brasileiros
no debate do Código Florestal, mas elogia a participação social na
política de tratamento dos resíduos sólidos.
Para Munasinghe, a
persistente crise econômica mundial tem levado os países para perto de
um "precipício ambiental". Esse cenário, porém, permite também a
emergência de novos métodos de consumo e costumes. Leia abaixo os
principais trechos da entrevista:
A crise econômica mundial deprimiu o consumo das famílias. Isso pode facilitar uma mudança nos hábitos dos consumidores?
Claro,
afinal, estamos chegando perto do precipício. As pessoas mais espertas
já perceberam que vamos cair no penhasco, e talvez a crise financeira
mundial tenha sido o início desse problema. Temos energia para fazer as
correções. O problema é que, ao mesmo tempo, as forças do establishment,
que normalmente estão nos governos e nas grandes companhias, não querem
essa mudança. A questão é: vamos mudar antes de cair do penhasco ou
vamos cair, 10 milhões de pessoas vão morrer e então vamos mudar? A
mudança virá. Mas não acredito que os líderes mundiais vão tomar essas
decisões, estão olhando para o curto prazo, para a próxima eleição.
Os
partidos verdes vêm tentando mudar isso, mas, quando chegam ao poder,
repetem as práticas convencionais. Como o sr. vê essa questão?
Mudar
a cara da política é importante, mas o que temos visto é que os
partidos verdes têm um apelo limitado, da ordem de 10%, 15% do
eleitorado, ou seja, fazem sucesso com um nicho, mas nunca chegam ao
poder. E, quando fazem parte de uma coalizão, os outros partidos
transformam o verde em marrom. Isso não significa, no entanto, que
devemos suspender o apoio aos políticos verdes. A chave está nos
movimentos sociais. Devemos encorajar os empresários a andar numa
direção mais responsável, não apenas o sistema político. Temos de
convencer as pessoas que isso não é um sacrifício.
Nas
conferências de clima, os emergentes tentam convencer e os mais ricos
hesitam em assumir compromissos porque querem construir suas
indústrias...
É uma questão complexa. Há dois casos relevantes de
poluição: a local - não há dúvida de que nenhum país deve poluir, porque
seus cidadãos vão sofrer - e a global - os gases de efeito estufa e
dióxido de carbono, em que os emergentes têm a posição certa. Eles
dizem: 80% dos gases liberados foram resultado de políticas dos países
ricos e agora eles precisam fazer mais para resolver. É tolo para um
político defender que vai poluir porque os outros o fizeram. A solução é
aprendermos com a experiência dos ricos.
É factível avançar sem reduzir a dependência de combustíveis fósseis?
Há
sempre a questão do custo. Há energia suficiente do Sol para suprir
nossa demanda por 500 anos, mas a que preço? Um é o custo econômico,
para construir os equipamentos, o que é muito caro. Mas há também os
custos sociais e ambientais, que ignoramos por muitos anos. Operações
como a exploração de petróleo em águas profundas, o óleo de xisto nos
EUA, petróleo e gás no Ártico, todas elas têm custos ambientais
altíssimos. Se incluirmos esse risco ambiental ou se fizermos essas
atividades com salvaguardas, vamos descobrir que o custo é muito mais
alto. E há o custo social. Se deixar tudo em questão de tecnologia, vão
justificar os combustíveis fósseis para manter as empresas de petróleo.
O Brasil deveria adotar salvaguardas e tornar o petróleo do pré-sal mais caro, por exemplo?
Não
posso dizer nada específico sobre o Brasil, mas minha impressão é de
que é bom para qualquer companhia de petróleo diversificar. Se só
investe em exploração em detrimento do meio ambiente, não dura muito.
Veja o Golfo do México: não fizeram direito e tiveram de gastar bilhões
em indenização. Vale mais investir em preservação para evitar gastos
maiores depois.
Como o sr. vê a política brasileira de resíduos sólidos?
Percebo
que a participação social no processo é maior. A maioria das
iniciativas para lidar com resíduos sólidos no contexto urbano, nos
países desenvolvidos, tem se baseado em tecnologias para tratar os
resíduos. Mas precisa envolver as pessoas, porque não é apenas lidar com
o volume de lixo, mas talvez reduzir a quantidade.
A questão
ambiental tem atenção pontual no Brasil, nas concessões de logística,
Belo Monte e outros, mas não faz parte de uma agenda permanente. Como
resolver esse problema?
Isso é um problema mundial. Vocês têm
pessoas como Chico Mendes, como os irmãos Villas-Boas, que podem
inspirar os mais jovens. Não quero fazer previsões, mas acho que o
Brasil é o país onde há mais esperança, onde a mudança será feita antes
de cair no penhasco. Você pode integrar sustentabilidade em todos os
aspectos, de forma muito prática, não é algo que você acrescenta depois.
Pode ser feito em toda parte, na energia, no agricultura.
Mas os
ruralistas não veem as exigências ambientais como um benefício, mas como
custo, especialmente na recomposição de áreas desmatadas.
No
mundo, a falta de água e a degradação da terra estão ligadas à crise de
alimentos. O Brasil tem sorte porque possui mais recursos, mas se vocês
desperdiçarem água e terra também vão ficar sem esses recursos. Sabemos
cientificamente que podemos gerenciar os recursos florestais sem abrir
mão de produção agrícola ou qualquer outra forma de exploração
econômica. Há algumas áreas de floresta nas quais é preciso preservar,
como margens de rio, e há outras que podem ter uso sustentável. Esses
tipos de gerenciamento florestal estão bem desenvolvidos, não há mais
desculpa por não usar. Não é preto e branco, como se você não
interromper o desmate não haverá comida. Isso não existe.
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